quarta-feira, 28 de março de 2012

MILTON FERNANDES


Quando eu era adolescente, lembro que meu pai tinha a ideia de lançar um livro com textos em inglês traduzidos literalmente para o português, ao pé da letra.

O livro era para se chamar "English at the Foot of the Letter" e traria expressões e frases célebres inglesas, traduzidas literalmente para o português, sem o menor cuidado com o contexto da frase. Eu achava a ideia bacana e tinha certeza de que o resultado traria várias horas de diversão, mas o livro acabou ficando só no projeto.

Aí, alguns anos depois, acabei esbarrando no livro que ilustra este post e comprei na hora. Ele tinha exatamente a mesma proposta do projeto do meu pai e o resultado foi, de fato, divertidíssimo.

Com expressões típicas brasileiras como "To whirl the old woman from Bahia" (rodar a baiana) ou "I didn't nail the eye" (não preguei o olho), a vontade de sair ensinando essas expressões para meus amigos gringos como se fossem as expressões de verdade era quase incontrolável.

Mas não deu pra deixar de sentir uma ponta de inveja ao ter visto alguém lançando a "nossa" ideia antes. E o que de certa forma fez com que essa inveja ficasse menos amarga foi o fato de que não foi um cara qualquer que tinha escrito o livro, mas sim um dos monstros da literatura no Brasil - Millôr Fernandes.

Hoje, perdemos este genial escritor, jornalista, roteirista, ilustrador e mestre em tantas outras áreas. É um dia de luto a todos que dão valor a um bom texto, a frases memoráveis, comentários carregados de irona e palavras sinceras, escritas sem medo e sem concessões.

Ao saber da morte do Millôr, me veio à cabeça uma história que ouvi há muitos anos e que, para mim, justificava a forma peculiar e divertida com a qual ele sempre encarou a vida.

Ele nasceu em 1927 e seu pai foi imediatamente até o cartório para registrá-lo com o nome Milton Viola Fernandes. Mas o tabelião aparentemente não primava pelo esmero caligráfico e provavelmente estava com uma pressa danada para ir para casa. Como resultado, ao escrever o nome "Milton", o corte do "t" saiu à direita, acima do "o" e mais parecendo um acento circunflexo, e o "n" ficou pela metade, se confundindo com um "r".

Resultado: o pai saiu da maternidade para registrar seu filho Milton e voltou com a certidão do seu filho Millôr. Não sei o que minha esposa faria comigo se eu fizesse isso, mas o simples fato do Millôr ter transformado esse erro de cartório em uma marca registrada que carregou pela vida toda mostra muito bem o tipo de pessoa iluminada que ele era.

Definitivamente, vai fazer falta.

P.S. Falando ainda das traduções literais, não sei se hoje o livro do meu pai ou o do Millôr fariam tanto sucesso, porque o Google Translate faz isso com maestria - e faz levando a sério. Quando alguém sem noções básicas de inglês o utiliza para fazer uma tradução, o resultado acaba superando qualquer obra de humor. Nem o mais genial dos humoristas conseguiria chegar ao "twisted Wednesday" que o glorioso time de futebol amazonense Fast publicou na versão em inglês do seu site. Aos curiosos, a explicação está aqui.

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