terça-feira, 28 de julho de 2009

O DIA EM QUE MEU PAI, O UNCLE BUGZ E EU DERROTAMOS O STEVE JOBS

Tela do jogo Taipan!, para o Apple ][+, em que o personagem Elder Brother Wu
devia tanto para a gente que mesmo que ele vendesse as próprias calças (para
efeito de simulação, vamos considerar que as calças dele custassem $100,00),
ele teria que vender 1.000.000.000.000.000.000.000 de suas próprias calças
para saldar a dívida.


Era uma vez, há muitos e muitos anos, um Natal em família em que meu pai chegou com um presente absolutamente espetacular: um computador.

Estou falando do começo da década de 80 e computador era algo incrivelmente “pustaqueospariu!”.

Era uma época em que CD, MP3, celular, controle remoto, fax, DVD, internet e milhares de coisas que hoje fazem parte do nosso dia-a-dia eram, na melhor das hipóteses, delírios de um autor de ficção científica. Aliás, era uma época em que ainda nem haviam inventado algumas das coisas que já fazem parte do nosso passado, como pagers e videocassetes.

Tô ficando velho...

Mas, enfim, nós tínhamos, dentro de nosso próprio lar, o ápice da tecnologia, o resultado máximo de milênios e milênios de evolução – um computador Apple ][+.

O Apple ][+ foi o percussor do Macintosh, aquele computadorzinho da moda que hoje se chama simplesmente de Mac.

Lembro como se fosse hoje do orgulho que senti ao saber que nosso computador tinha uma configuração avançadíssima para a época: 64kB de RAM.

Meu irmão Uncle Bugz se sentiria muito mais à vontade para explicar o que isso significa de verdade, até porque eu sou um zero à esquerda em termos de computer-tech-geek-talk, mas só para vocês terem uma ideia, hoje em dia o meu PC aqui em casa tem 4GB de memória RAM, o que significa 65.536 VEZES MAIS do que o Apple tinha então.

Bom, mas e daí, né?

Tudo isso pra dizer que, neste computador, a gente instalou um joguinho chamado Taipan!, baseado (dizem) no romance do mesmo nome escrito pelo James Clavell. Era um jogo muito básico, assim como eram todos os jogos do Apple na época, e a ideia era a seguinte:

No século XIX, você era o capitão de um navio mercante e viajava entre os portos da Ásia comprando e vendendo uma série de coisas, incluindo seda, armas e ópio. Pelo caminho, acontecia de tudo: você lutava contra piratas, comprava armas, tinha que consertar o navio, era chantageado e roubado, fazia alguns ótimos negócios e outros péssimos... Diversão garantida.

O jogo viciou a gente na época e, apesar de ter sido feito para um só jogador, a gente começou a jogar em turnos. Jogava eu um tempo, aí assumia meu pai, aí meu irmão Uncle Bugz... E foi aí, depois de um tempo, que descobrimos duas coisas que mudaram para sempre nossa percepção do programa, colocando Taipan! como um dos jogos mais espetaculares de toda a história (não consultei meu pai e nem o Uncle Bugz antes de escrever isso, mas tenho certeza que eles partilham da mesma opinião que eu).

A primeira coisa que percebemos foi que, quanto mais o nosso navio crescia, mais piratas apareciam para tentar extorquir nosso dinheiro. E aí descobrimos sem querer que, melhor que ficar brigando com os piratas, era preferível atirar uma vez e depois dar no pé porque, acho que por algum pau no programa, a gente sempre escapava ileso do combate.

Com isso, tínhamos a vantagem de saber que nunca teríamos que ficar lutando pela nossa sobrevivência, uma vez que fugir era muito mais rápido e eficiente do que brigar (e espero que isso não tenha de alguma forma moldado meu caráter de forma irreversível).

Aí veio a descoberta suprema.

O jogo possuia um agiota chamado Elder Brother Wu. Na necessidade de uma grana rápida e fácil, ele te emprestava até metade do que você tinha em cash, tudo na hora, sem burocracia e sem a necessidade de comprovação de renda.

Só que, claro, a cada rodada, os juros caiam matando e, até hoje, acredito que a ideia de colocarem o Elder Brother Wu no jogo era alertar as pessoas quanto aos malefícios que a taxa de juros pode ter em sua vida, seus sonhos, seus planos e afins...

Só que, sem querer, a gente descobriu uma mina de ouro.

Ao pedir uma grana pro chinês pra comprar um carregamento de ópio, a gente teve uma venda espetacular, o que encheu nossos bolsos de grana. Na hora, meu pai, que era diretor financeiro, achou que a ideia mais sensata seria saldar na hora a dívida com o Wu.

Só que a gente sem querer pagou mais do que devia. E de repente aparecia no joguinho um campo com uma dívida NEGATIVA com o Brother Wu. Ou seja, agora era ELE que estava devendo pra gente.

Mas a beleza disso era que a taxa de juros continuava. E a cada rodada ele devia mais e mais para a gente. E, claro, conforme a dívida ia aumentando, a taxa abusiva fazia com que ela aumentasse de forma irracionalmente desproporcional, chegando rapidamente a milhões de “dinheiros”.

Era só precisar de dinheiro para algo que a gente descontava da dívida que tínhamos com o Wu, mas isso foi chegando a um ponto tão ridículo que ele devia tanto que era literalmente impossível gastar o dinheiro, por mais que a gente tentasse.

Até que decidimos testar os limites do programa. E fizemos um pacto. Cada um jogaria um turno de 4 horas, acordaria o próximo e assim por diante. O jogo foi noite adentro e se aproximou da manhã.

Lembro - e meu irmão há de me corrigir caso esteja errado - que em determinado momento do jogo, o Wu nos devia algo em torno de “10E23”, o que em termos técnicos seria um SEPTILHÃO de “dinheiros” ou $1.000.000.000.000.000.000.000.000,00.

Até que chegou uma hora que... PIMBA!

O valor da dívida era tão avassalador que o computador simplesmente não teve capacidade de processamento para lidar com um número tão alto.

E o computador travou.

Ou seja, jogando dentro das regras, num programinha super básico e simples, três simplórios de São Paulo fizeram o grande computador Apple ][+ pedir água, simplesmente porque ele não estava conseguindo processar uma simples taxa de juros.

Tsc, tsc...

How can I say... CHUUUUUUUPA, STEVE JOBS!!!

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